quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Papo Sério #02

Se você reparar bem ali na penúltima linha da minha descrição sobre mim mesmo - ali, embaixo da minha cara pixelada de assustado que a patroa fez pra mim - está escrito que eu gosto do Japão. E é verdade. Só que, como você já deve ter reparado, nunca cheguei a falar muito sobre ele aqui. Uma pena. Coisa que entristece.

Mas dessa vez eu tenho do que falar. Só que, infelizmente, papo é sério e o assunto é uma das coisas que me dá nojo naquela simpática ilha do Pacífico.

Eu odeio Morning Musume furiosamente. Odeio Moe. Odeio Uguu. Odeio Gravure Idols - aquelas cantoratrizes que gravam DVD de biquini, algumas ainda com seus 13 anos. Odeio todas essas coisas fofinhas. Gostaria muito que todas elas, obras e pessoas, dessem as mãos e fizessem o favor de morrer em meio aum incêndio.

O que me trouxe de volta a esse surto primal foi essa notícia aqui, que eu explico pra quem ficou com preguiça de acessar. A Konami está promovendo, nas ruas de Akihabara, Love Plus, que é mais ou menos um sucessor de Tokimeki Memorial. Funciona assim: você é um colegial tapado que se vê cercado de um monte de meninas bonitinhas e peitudas, todas querendo liberar de um jeito ou de outro. Cabe só ao garanhão digital escolher seu alvo e, depois de conquistá-lo com palavras bonitinhas, viver feliz para sempre depois de se formar como o melhor aluno da sala.

A estratégia de promoção da empresa é tão genial quanto. Colocaram moças "bonitinhas" de verdade para entregar cartas de amor - declarações, melhor dizendo - a Otaku randômicos passando na rua. Alguém que é completamente inapto na esfera social e que acha que nunca vai conseguir mudar isso. Guarde essa última frase, ela será útil mais para frente.

Ela chega, aborda o cara do nada, e entrega um papel com isso escrito:

Olá, meu nome é Takane Aika. Desculpe entregar uma carta desse jeito. Você deve ter se assustado, né?
Todo dia, nesse cruzamento, eu fico te vendo de longe e sempre sinto um aperto no peito, mas nunca sei o que fazer. Penso em ir falar com você, mas nunca consigo...
Por isso, reuni coragem e decidi te escrever essa carta. Desculpe de verdade se estiver te incomodando. Antes de mais nada, queria que fossemos amigos.


Sempre lembrando que, no Japão, esse tipo de cartinha de amor ainda é comum entre estudantes.

Como eu disse, os alvos são Otaku. Deixa eu te falar um segundo sobre os Otaku do Japão.

Esquece os fãs de anime que existem em eventos no Brasil, nos Estados Unidos ou em qualquer outra parte do mundo. Ser Otaku no Japão não é um hobby: é um estilo de vida, para o bem ou para o mal. O Otaku japonês não é só um moleque babão. É um cara que trabalha em escritório e que gasta o salário todo dele em jogos, miniaturas, pôsteres e DVDs, muitos deles envolvendo menininhas de biquini. Ele também é um cara que, dadas as circunstâncias, se orgulha de ser NEET - sigla que significa que ele não tem emprego, não estuda e não está treinando nada. Um inútil.

Ele é o cara que persegue Idols na rua. É o cara que se veste de empregadinha. Que vai nos cafés de empregadinha. Que às vezes é hikikomori - ele vive no escuro, dentro do próprio quarto, se limitando a sair pra ir no banheiro. A comida, a mãe coloca na frente da porta. E não pode botar o filho pra fora de casa porque senão - ah - senão a vergonha é dos pais.

É o cara que compra dakimakura e que realmente dorme com ele. E mesmo assim, pode ser um filho da puta extremamente talentoso. Mas é difícil ser Otaku no Japão. Apesar de toda a onda de artistas que falam dos seus gostos abertamente, falar que gosta de anime, por exemplo, é motivo de chacota e ostracismo geral. Sem discussão. Ele só é aceito pela sociedade quando lhe convém. E isso é quase nunca. Por isso - e outros fatores, mas esses mais pessoais e psicológicos, que não convém tratar aqui - eles preferem se fechar no mundo de polígonos, pixels e acetato.

Estão vendo onde eu quero chegar?

Lembram do que falei ali em cima? Que o Otaku acredita não poder nunca sair da sua condição social miserável? Pois é. É assim que a mídia quer que ele continue. Inapto. Mercado sem resistência. Morning Musume, Moe, Uguu, Gravure Idols e a propaganda do Love Plus existem para atender uma deficiência clara - a de afetividade - e lucrar horrores com isso. Ridiculariza, degrada, mina as defesas, alimenta a dependência. Nutre a esperança de que um dia, um dia, alguma menina realmente vá pará-lo no meio da rua pra declarar o seu amor e acabar com o seu sofrimento. E cultiva a cultura de que ele vai conseguir isso sem esforço. É lógico, porque o amor simplesmente acontece. É só ter um pouquinho de paciência.

E comprar mais um figure enquanto isso.

E não venham me falar da felicidade, da alegria, da energia das dúzias de grupos de menininhas que existem por aí. O alvo delas é o público Otaku. É fazer ele sonhar com a fofinha que ele nunca vai conseguir. É escravizar. É como se você estivesse rindo de uma piada do Sarney.

Não pensem que estou isentando nossos amigos de responsabilidade. Não estou. Eles também têm culpa - falta de iniciativa, falta de força de vontade, falta de apoio também. Mas ainda assim não adianta lutar contra uma indústria multimilionária que vive de manter miseráveis a vida de milhões de pessoas.

Desculpa, Japão. Dessa vez não deu.

Fernando Mucioli leva poucas coisas muito a sério

3 comentários:

Artur Palma disse...

O pior é aquele cara que tem orgulho e usa a camiseta "Neet"...

A.Sato disse...

Também fico chocada com alguns "tratamentos" pra hikikomori no Jp, como aquele dvd em q tem uma pessoa te olhando sem falar nada http://www.youtube.com/watch?v=A12dH72757U (teoricamente se você conseguir olhar uma pessoa nos olhos você deixa de ser socialmente inapto?)

PS: verificação de palavras de hj tem escrito nomanymi =p

Dracinar disse...

Welcome to the NIPPON HIKIKOMORI KYOUKAI!

Os pais japoneses dão um novo significado à frase "vergonha alheia".